Juventude ainda é vista com negatividade e não consegue exercer seus direitos sexuais e reprodutivos
Um público majoritariamente feminino compareceu ao Auditório Maria Antônia para o terceiro e último dia do ciclo de debates da CCR. Sob o foco “Juventude, laicidade e cidadania”, entraram na pauta a juventude e os desafios de se trabalhar a sexualidade e os direitos sexuais e reprodutivos com a faixa etária mais numerosa da população brasileira, segundo o último CENSO do IBGE.
Seguindo a rotina do seminário, a socióloga, pesquisadora e consultora da POLIS, Helena Abramo, abriu os debates com a conferência O Campo da Juventude no Brasil – visões contemporâneas, sem a presença da União Nacional dos Estudantes – UNE, programada para coordernar a palestra. Abramo fez um histórico esclarecedor de como se construiu uma criminalização da juventude desde os anos 70 e falou do surgimento de outros atores da juventude, que a tematizam a partir de diálogos com a Indústria Cultural – os punks, o rock, o hip hop são alguns exemplos disso. A socióloga levantou pontos importantes, como a violência e a exclusão social dos jovens na sociedade de consumo. Quanto às políticas públicas voltadas à juventude, de acordo com a socióloga, a linha dos direitos sexuais e reprodutivos foi a que se desenvolveu mais e a que recebe mais aporte. Helena Abramo destacou, no entanto, que a juventude “é um campo em montagem”.
Os problemas das políticas públicas de saúde no Brasil no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, principalmente naquelas voltadas para os jovens, pontuaram, também, a apresentação da mesa seguinte. Alguns dados quantitativos levantados pelas pesquisas desenvolvidas por Vera Paiva (USP/ NEPAIDS), Ignez Perpétuo (CEDEPLAR), Elza Berquó (CEBRAP) e Thereza De Lamari Franco Netto (MINISTÉRIO DA SAÚDE), são , no mínimo, intrigantes: entre os pentecostais, diminuiu a idade de iniciação sexual, mas também o uso de camisinha; a fecundidade do grupo de mulheres entre 15 e19 anos caiu e vem caindo desde 2000; 65,7 % da gravidez na adolescência é indesejada e a responsabilização do parceiro simplesmente não apareceu nas respostas de entrevistados sobre os motivos de uma gravidez “acidental”.
Elza Berquó introduziu o conceito do “indicador de indesejabilidade” – sempre subestimado nas pesquisas, segundo a demógrafa, que criou polêmica ao afirmar que “é curioso como a religião e a escolaridade nada têm a ver com a indesejabilidade entre as jovens de 15-19 anos”. E não parou por aí: “a fecundidade não tem mais a ver, como já não tinha, há anos, com religião”, afirmou. Thereza De Lamari concluiu denunciando o descompasso entre o marco legal e as políticas de saúde sexual e reprodutiva para adolescentes e jovens, reforçando o que Vera Paiva destacou sobre a tendência de se pensar que os programas de educação e direitos sexuais e reprodutivos vão se traduzir em ação.
Atualmente, as políticas de educação sexual tratam muito mais do direito de se evitar problemas do que do exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Outras questões relevantes que apareceram na discussão foram a da reativação do direito de escolha ao aborto, mas também à maternidade na juventude – com a condição de vivenciá-la com dignidade - e a da luta contra a padronização de comportamentos e do corpo da mulher pela mídia e a Indústria Cultural.
Ação Jovem
As mesas da tarde contaram com representantes de grupos jovens que revelaram a necessidade de criação de novos espaços para a juventude, tanto para a discussão, quanto para o exercício dos seus direitos sexuais e reprodutivos. O que ficou patente, mais uma vez, foi a discrepância entre as políticas públicas e o universo da juventude hoje, sinal de que visões e preconceitos herdados de outras décadas ainda perduram. Segundo Cristiane Cabral, do CLAM, que enfatizou a importância da dimensão afetiva na sexualidade para a educação sexual na escola, pesquisas sobre a gravidez na adolescência derrubam certos mitos sobre a vida sexual do adolescente.
Jorge Lyra, do Instituto Papai, coordenou a mesa em que o grupo Jovens Feministas, representado por Chindalena Ferreira Barbosa, pôs em jogo as temáticas do prazer sexual para as mulheres, a idéia de co-responsabilidade sexual na juventude e os desafios para os jovens na busca por respaldo nas suas ações. “Falta confiança na ação dos jovens”, afirmou Chindalena, que ainda citou a tentativa de inclusão dos meninos no debate feminista e a relevância dos diálogos inter-geracionais como parte das estratégias de fortalecimento de uma rede de articulações.
A fala de Margarita Diaz, do Reprolatina, acrescentou o problema da cultura da não-participação e da repressão nas sociedades latinas e dos movimentos contrários aos dos direitos sexuais e reprodutivos: “estamos frente a uma força de resistência organizada”, afirmou, categórica. Rodrigo Correa, do MAB – Movimento de Adolescentes no Brasil, falou dos conflitos do adolescente em relação à sexualidade e indagou: onde está o olhar do jovem, já que a criação de estatutos sempre partiu da ação dos adultos? A última mesa dessa edição do ciclo de debates trouxe o testemunho das jovens Ana Paula Arosi e Bruna Rodrigues, do Jovens Multiplicadoras de Cidadania e do Themis – Assessoria Jurídica e Estudo de Gênero, que dialogou com os trabalhos de Sylvia Cavasin, da ECOS, Persistências e Mudanças na Cultura Sexual e Reprodutiva Brasileira, e Fabíola Rodhen, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sobre Juventude, Religiões e Políticas Públicas.
Os debates travados com a platéia atentaram para a nova norma sexual vigente, baseada no desempenho – que deve ser altíssimo – e para a entrada da tecnologia e da rede como mediadores da sexualidade do jovem.
O Ciclo de Debates “Democracia, Estado Laico e Direitos Humanos” chega ao fim deixando muitas perguntas, difíceis e fundamentais, para a busca da construção de outras formas de atuação no campo dos direitos humanos e para a garantia de um Estado laico. O trabalho é árduo e novas articulações precisam ganhar fôlego. Foi dado um importante passo.
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